4 de jun. de 2007

Uma Carta

Por Inês Nin
A.,

Quis te dizer uma coisa, não pude segurar o impulso: eu vou embora e não volto mais. Nunca suportei despedidas, por isto esta carta, para não sumir sem dizer nada. Se fosse pra te dizer quaisquer dessas coisas olhando nos seus olhos, eu não conseguiria. Portanto, aceite estas palavras e procure me entender.


Tive vontade de ir embora muito antes, mas havia ainda tantas coisas boas por aqui que era relativamente fácil, quando me surgiam estas vontades, de ocupar a mente com outra coisa e assim fazer dissipar a idéia. Se eu pudesse ter segurado tudo o que sentia por mais tempo!


Foram sempre as urgências que moveram meus passos. Por desejos incontroláveis de provar a mim mesmo que ainda sou livre e posso andar para qualquer lugar, por quaisquer razões, eu sempre me lembro de existir no último segundo. E se em algum momento estive incompleto, por isso me desculpe, mais nada.


Sei que você vai precisar de algum auxílio, ao menos durante algum tempo, até que as coisas possam se restabelecer. Pensando nisso, procure na última gaveta da cômoda, lá deixei algum dinheiro. Eu desejaria que você não notasse os espaços vazios no quarto, mas estou certo de que serão preenchidos. Estou mais certo ainda agora, e pela primeira vez isso se tornou claro para mim, de que seremos ambos mais felizes desta forma.


Criei expectativas em torno de idéias furtivas, e o que de alguma forma eu sempre soube, uma vez me foi tão necessário. Agora não vejo nada além de uma névoa branca que encobre a estrada, é como se não houvesse nada à frente. E é isto o que me é surpreendentemente bom, este frio na barriga de estar diante do branco. Dele sei que posso tirar qualquer coisa, criar qualquer coisa, e preciso tanto destas histórias que estão por vir.


Sonhei tantas vezes em ter uma vida estável, que foi como se toda uma rotina possuísse já em meus sonhos dimensões concretas, o que pode ser absolutamente assustador. Consegui com isso aniquilar todas as grandes surpresas, ou já estar de início preparado, como em estado de anestesia, para todas elas. Destruí eu mesmo as conquistas desta realidade que abandono, e talvez não fossem elas tão significativas assim.


O que mais me atemoriza neste momento é que, embora possa parecer totalmente implausível, eu possuo grande afeição por você. E isto não foi possível de ser alterado em nem uma migalha.


Arrisco dizer que por esquecer de mim ou do que posso vir a ser é que vou. E o para sempre é só uma questão de circunstâncias.


Boa noite. E seja feliz.


C.

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