10 de jul. de 2007

Pessoas que habitam em mim

Por Maria Gabriela Raposo

Posso ser quem eu quiser. Mas será que posso ser eu mesma? A menina inocente, ingênua e até um pouco sonsa ou a mulher que paga suas próprias contas do mês e tem muitas responsabilidades.
Posso perfeitamente conversar sobre um assunto que conheço apenas a ponto de dissimular sobre ele e parecer uma expert. Sou até capaz de opinar e formular um ponto de vista naquele momento e sustentá-lo como se já o tivesse sempre pronto.
Posso parecer feliz e distribuir sorrisos apenas para esconder um conflito interno que me deixa triste. Posso parecer triste em busca de atenção ou de um abraço. E todos podemos ser qualquer pessoa. E isso é completamente aterrorizante. Temos a nossa volta diversos neuróticos, fingindo ou escondendo seus sentimentos, agindo de uma forma e pensando de outra. É o fim da espontaneidade, meus amigos! Não falo em fim da honestidade, mas este é o reinado da conveniência.
Por este motivo gosto mais de crianças e cachorros de que de gente adulta. Gosto bem mais dos cachorros até. Já não se fazem mais crianças como antigamente. Elas são perfeitamente capazes de fingir adorar piano, encantar os pais que investirão na compra do instrumento e após duas aulas desistirem. Mas elas terão o piano e o amiguinho não.
Isso sem falar em quanto crianças são seres perversos e egoístas. Eu mesma já convenci um amiguinho, quando criança, de tomar água de uma poça lamacenta. Disse que era Nescau. Esse amiguinho passava por sérios problemas em casa, talvez até estivesse com fome. Lamentável.
Gosto mesmo é de cachorro. Não há comportamentos dissimulados neles. Tenho um cachorro escorpiano com quem nunca tive problemas. Tão diferente das pessoas... Posso chegar com qualquer companhia em minha casa, ele abanará a cauda da mesma forma. Posso estar com o papa ou com o porteiro, ele o cheirará ate deixar a pessoa constrangida e fará seu julgamento. Se não for com a cara, começará a latir ou simplesmente ignorará. Ele é o que é, não age apenas por conveniência. Chamar alguém de cachorro, termo comumente usado como xingamento dos mais ofensivos, deveria ser um elogio. Não gostaria que me chamassem é de “ser humano”.

Reviravoltas e Algo mais

Por André Santos

28/12/2001

Nunca fui muito fã de diários. porém, nessa madrugada insone me veio uma súbita mudança de opinião. Após 2 horas revirando na cama tentando dormir, concluí que eu necessitava desse desabafo. Acho que nenhum parente ou amigo entenderia exatamente a minha angústia. O final do ano se aproxima e sinto uma imensa frustração. sensação de vazio, de incompleto, ao avaliar que mais um ano se vai. Nunca amei ninguém como a Roberta e parece que perdê-la foi o ponto de partida para um desequilíbrio total. Perdi meu emprego, me afastei de parentes e agora me vejo completamente entregue ao álcool. Para falar a verdade, nem sei como estou conseguindo equilíbrio para desabafar. Talvez seja porque ainda está na metade da garrafa de conhaque, talvez porque, finalmente, caiu a ficha. Aos 27 anos me vejo fracassado e no fundo do poço.


02/01/2002

Aqui estou novamente. O “oba-oba” do ano novo me fez perder o foco. De nada adiantou a minha reflexão de dias atrás, volto a desabafar muito mais assustado. A sensação de quase morte pelo uso excessivo de drogas e álcool nos primeiros minutos de um ano é triste, mas não posso desprezar o valor que está tendo para mim. Aquele apagão foi decisivo. Ao assistir ao filme da minha vida e acordar de um coma alcoólico em um hospital público, decidi que a oportunidade de mudar o final não podia ser desperdiçada. E para isso não me basta lamentar, terei que agir. Superei o orgulho e resolvi buscar ajuda. Resolvi também abandoná-lo, por considerar que o diário de um viciado é feio e depressivo.


28/12/2006

Hoje foi um dia realmente emocionante. Me encontro nesse momento impressionado com as ironias da vida e do destino. Você permaneceu muito bem escondido esse tempo todo, foi esquecido. E exatamente 5 anos depois, na véspera da mudança, Sofia (minha esposa) encontra esses relatos. Quanta coisa aconteceu, quanta coisa mudou. Sem nenhum medo de superestimá-lo, finalmente compreendo o seu valor. Foi o ponto de partida da virada, sem dúvidas. Um homem de 27 anos se sentindo acolhido por desabafar com um diário. Sim, é possível. Tá certo que não tinha nada de bonito escrito, mas colocar no papel o que eu sentia foi decisivo para uma tomada de consciência. Depois de 3 meses internado em uma clínica, saí de lá me sentindo uma criança novamente. Reconstruí a minha vida e fiz tudo aquilo que tinha vontade. Aliás, o prazer de voar de asa delta é muito maior do que qualquer droga. Casei, arranjei o emprego dos meus sonhos e aguardo a chegada do meu segundo filho. Ao chegar em casa hoje, estressado, me deparo com Sofia emocionada e o diário aberto. Recebi o sorriso e o abraço mais sinceros da minha vida. Foram apenas 2 relatos depressivos. O suficiente para a reviravolta. Me sinto em dívida com você, mas uma dívida positiva. Passarei a relatar todos os acontecimentos marcantes daqui por diante, e com certeza serão vitórias a maioria. Constantemente voltarei a reler também as suas primeiras páginas, assim lembrarei o significado do aprendizado e o valor de uma vida saudável.


29/12/2006

Hoje o dia foi realmente movimentado. Mudança é sempre assim, não tem jeito. Ano novo, casa nova. Já era difícil morar naquele pequeno apartamento com um filho de 2 anos, agora que tem mais um a caminho tivemos que nos antecipar. Uma casa ampla com um belo quintal será muito mais aconchegante.


30/01/2007

Finalmente sabemos o sexo do nosso segundo filho: Uma menina. Sempre tive aquela apreensão de certa forma machista de que é muito mais difícil para um pai lidar com uma filha. Já imagino meus ciúmes do primeiro namorado. Brincadeiras à parte, tanto eu quanto Sofia estamos muito contentes com a oportunidade de ter um casal de filhos. O nome foi um belo consenso: Vitória.