4 de jun. de 2007

Escrever

Por Carla de Paula

A minha experiência com a escrita me faz pensar nessa atividade como um processo. Há fases que precisam ser cumpridas, bem como nos motiva o que sabemos estar reservado a cada uma delas.
Uma tarefa, com princípio, meio e fim. Afim apenas de satisfazer – com sucesso ou não – o ego daquele que escreve. Aproximando-me do que escreveu Sontag, percebo o ego como o que é sempre presente e a quem driblamos apenas quando nos desfazemos da responsabilidade de avaliação da nossa própria criação.
O ego só é suspenso nos momentos de contato com outros autores. Quando escrevo, ainda que opte pelo desconhecimento dos demais, é pensado sob a ótica do outro. Um autor não pode negar a vaidade que motiva sua atividade. Certamente mantive em sigilo ou mesmo desfiz do que meu excesso de autocrítica julgou ruim. E é incrível como o momento se faz crucial nessa categorização. Há textos em que me escapa o reconhecimento da autoria. Parecem de outra. Na verdade, isso me faz entender o ato da escrita, no meu caso particular, como algo isolado. Há uma deliberação naquele momento, uma impulsividade criativa e uma percepção que se faz pertinente àquele momento apenas.
Acredito que sejamos múltiplos no ato da escrita. Uma única pessoa, com apreensões diversas do que há.
A fase de exteriorização é um tanto laboral; árdua. Como já ouvi de alguém certa vez, não há inspiração, mas transpiração. Apesar de ter uma clareza bem grande sobre o que trata o texto, no instante da transcrição me escapa a objetividade. Tudo está muito bem relacionado no meu entendimento, mas, numa leitura posterior, percebo que o elemento conector das idéias não foi retratado. O que confunde o entendimento do leitor.
É certo que há elementos de ordem pessoal no que escrevo. Mas escrever é o reino do “como se”. A ficção te permite estabelecer com o mundo uma relação que não ousaria fora das páginas de um livro. Meus gostos estão bastante presentes nos contos. Através das personagens imaginadas, materializo um mundo de aspirações e, principalmente, frustrações. Mas isso se reserva ao final do processo, quando se acredita, se for mesmo possível, ter concluído a narrativa. E como pode ser angustiante esse caminho. Contar uma imagem, uma sensação. Tudo tão desafiador quanto gratificante se feito com precisão. Eu releio muito tudo que escrevo. Preciso desse contato com o texto. Revisar, aprimorar, substituir a fim de que tome a dimensão desejada à cena. É de fato um trabalho estafante, que tende a ser recompensado com a leitura. Penso no prazer como o que está reservado a esta fase. Leitura é prazer, enquanto cabe às infindáveis fases de escrita e reescrita, intercaladas por leitura e releitura, um intenso exercício; a angústia de extrair o termo mais adequado para o que se imagina e que esteja mais próximo de atingir a satisfação do ego.
A leitura em voz alta, na minha opinião quebra com toda uma lógica de introspecção aplicada ao momento da escrita. A existência do auditivo altera o ritmo pensado para a narrativa. Voz é acessório da oratória e esta instrumento de intimidação. Penso ser tão determinante a impostação da voz, ditando o ritmo da leitura, que me parece restar pouco à criatividade do ouvinte – que, portanto, deixou de ser leitor.

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