5 de jun. de 2007

Um cheiro de dezembro no ar

Por Mariana Vedder

Em novembro é sempre assim. É quase o calor de dezembro. Mas ainda no clima de dias úteis. Dezembro todo já é natal. Em novembro ainda não temos muitos enfeites natalinos. Nada de laços, bolas coloridas, neve falsa. Não é diferente na Avenida Paulista.
Ao meio-dia – rua lotada, claro; horário de almoço da maioria dos executivos da principal artéria do organismo chamado São Paulo – ele passa. Andando devagar. E aquela gente toda correndo. Muito estranho. Fiquei olhando de dentro da cafeteria mesmo. Um homem comum, mas se destacava, tinha algo intrigante nele. Por que andava por ali como se estivesse passeando pelo Parque do Ibirapuera? O que mais estranhava era o modo como estava vestido. Um sobretudo marrom! No calor de quase dezembro...
De repente, o homem misterioso parou em frente à cafeteria onde eu estava. Minha torta de frango já até esfriara. Tamanha era a minha curiosidade em saber onde ele ia. Seria uma pessoa comum? Ou meu olfato de detetive não me enganara? Ser detetive tem dessas coisas. A gente não consegue mais saber se é paranóia ou se é faro profissional. Dia desses eu me peguei abrindo a maleta de uma senhora. Coitada! Quase morreu de susto. Mas não sei por que, havia algo suspeito no jeito dela.
O garçom trouxe o capuccino. Nem repararia se ele não me cutucasse. E o homem estava entrando no café. Eu sabia! Ele tinha algo nas mãos. Um cigarro, uma carteira... Ah, nada de mais. Devo estar ficando mesmo doido. Minha esposa adora repetir isso. Nunca vi. Droga! O misterioso sentou-se distante. Precisarei afastar minha cadeira para conseguir vê-lo. Ah, céus! Eu nunca me engano mesmo. Um papelzinho. Ele entregou um papelzinho ao garçom.

Por Felipe Han da Costa


Entregou, olhou à esquerda, à direita – como se procurasse algo ou alguém – e saiu apressado. Sim, a intrigante calma fora trocada por uma velocidade avassaladora. O estopim da celeridade presenciada, talvez o papel, olhar do garçom ou ainda um eventual aperto de mãos secreto, era motivo suficiente para eu largar a nota gasta de cinco reais na mesa e iniciar nova investigação.
O meliante trocava passos rapidamente, por sorte eu estava no auge da forma física. Conseguia desviar de todos aqueles pedestres com facilidade. Não fosse o veículo KTF-3576, minha busca terminaria perfeita. Após o meu quase acidente e quase visita ao hospital, o suspeito se distanciava. Mas a sorte era minha aliada, e poderosa aliada ela é.
Adentro o estabelecimento, segundos após o suspeito, cuja lábia confrontara a lábia do engraxate, na porta do lugar. Depois de longe embate, o homem do sobretudo mostrava sinais de cansaço. Não sei ao certo se pela caminhada ou a língua afiada do engraxate. Mas devido o tempo perdido na conversa, pude ver onde entrava. E claro, fui atrás.
O lugar – semelhante ao anterior – freqüentado por famílias de classe média, aparentemente não proporcionava interesse algum a esse tipo de homem. Entretanto, percebi novamente: entrega do papel, olhares desconfiados, saída rápida. Dou um passo para o lado, ficando estrategicamente na porta. Nervoso, ele olha meus olhos, olho os dele. Esbarra em mim e me entrega um papel. Do mesmo padrão dos anteriores. Dizia assim: ‘’recompensa para quem achar meu cão’’. Posteriormente a descrição do animal. E: “Obs: por favor, coloque este bilhete onde todos possam ver’’. Então deixo o restaurante. Novamente estou entre os milhares de desconhecidos da Av. Paulista. Tenho certeza: O sumiço de alguém nesta multidão, mesmo os que têm rumos cotidianos convergentes, não será merecedor de um mero bilhete. Ninguém sentirá falta.

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