3 de jun. de 2007

Paris. Uma noite, um cigarro.

Por Flavia Risi
Juan Xavier.
Este sou eu, ou melhor, era eu. Minha história não é alegre, nem tão pouco a sua deve estar sendo. E é por isso que eu escrevo. Pela nossa dor.
Sou pai. Júlia é meu anjo. Um pingo de gente que há dezoito anos transformou minha vida. Ainda não sei porque decidi escrever. Talvez para me sentir vivo.
É inverno. E é também pela Júlia que estou aqui. Foi ela que me apresentou Camile Claudel.No Chile não tive muito contato com arte, talvez pela falta de tempo, talvez pela falta de inspiração, mas a delicadeza e o prazer com que Júlia me falou, me mostrou e me ensinou fez com que me interessasse, não sei se pela obra, ou se por Júlia. Toda noite em que entrava em seu quarto para um último beijo me paralisava diante da inscrição que ela havia pendurado no canto esquerdo de seu armário: “Há sempre um ausente que me tormenta”.
Hoje, 05 de fevereiro de 2000, me vejo novamente hirto, estagnado, imóvel, quase que sem piscar, diante da mesma frase. Não mais em seu quarto. Não mais em minha casa. Estou aqui, à beira do Rio Sena, à beira deste banco, à beira de Juan. Foi quando assim, perdido em mim mesmo quase não ouvi aquela voz, tão delicada e na mesma intensidade perdida: “O que faz aqui?”
Meus olhos piscaram, pude sentir meus sentidos voltarem. Perplexo, vi uma jovem que não sei se por ironia, ou se por favor, me pareceu ilusão. Sua beleza não enfeitiçava. Cativou-me. Uma beleza que acolhe. E foi perplexo ainda que respondi: “O mesmo que você”, por mais que não o fosse. Eu não fumava (por mais que o frio fizesse da minha boca sair fumaça). Eu não tinha os olhos vermelhos e lacrimosos. Eu não andava em busca de algo, pelo contrario, estava perdido e não fazia questão alguma de achar a mim ou a qualquer coisa.
Havia um ano que uma ausência me atormentava, me enlouquecia, e tudo que eu faria era ficar ali, olhando aquela placa, naquela noite paradoxalmente escura na “Cidade Luz”. Aquela lâmpada ao meu redor era a que iluminava a minha placa: “Aqui morou Camile Claudel” e logo abaixo: “Há sempre um ausente que atormenta”. Se eu pudesse, ficaria ali até, não sei...
E foi assim, durante alguns segundos de olhos cruzados que tive a primeira reação depois de um ano... Sem dizer mais nada, apenas um leve sorriso no lábio e nos olhos, ela seguiu adiante, como que aliviada com a minha resposta. Meus olhos a seguiram. Compaixão? Medo? Afeto? Só sei que não consegui parar de acompanhá-la. Porém, foi só quando chegou na metade da pequena ponte, e subiu na mureta com ajuda de uma lasca no cimento que eu me levantei. Não! Novamente não.
Corri.
Ainda com os olhos nela eu corri. Quando faltavam uns três passos, quando já podia sentir seu calor, ela tornou a me olhar. Seu olhar me paralisou, como quando entrava no quarto de Júlia. Não mais andei. Entendi. Calei. Ela deu uma última, profunda e delicada tragada, assim como que se despedisse do cigarro – coragem? Prazer? – e com a mesma delicadeza se despediu e se despiu dela mesma. A escuridão só me permitia ver sua silhueta marcada por nuances. Fechei os olhos quando ela abriu os braços. Só tornei a abri-los quando tive certeza de não mais vê-la por ali. O Senhor Deve estar se perguntando porque eu não a agarrei e a impedi. Eu poderia.
“Há muito não sou gente”. Porque gente é inteiro, eu sou metade, ou menos.
Já não sou gente. Sou uma parte que não sabe onde está. Que vive uma inquietação ausente. Espero que o casaco dela, o mesmo com que tal delicadeza ela pousou na mureta, chegue até o Senhor, e que como pai não se sinta culpado, pois todos temos um ausente que atormenta, mas nem todos conseguem conviver com ele. Duas pessoas ao nosso redor não souberam, agora querem que nós aprendamos.
Juan Xavier

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