4 de jun. de 2007

Bagdá. Iraque. Meus primeiros dias como correspondente.

Por Clarissa Nachery

Não é que eu seja propriamente um americano crítico. Não escrevo agora pelo ofício que exerço. Não desejo que me leiam com a mesma ansiedade de um jornalista que almeja reconhecimento. Apenas estou desolado, e como se retornasse ao colo de minha mãe nesse instante, quero falar e chorar...
Passaram-se vinte dias desde que cheguei a Bagdá. Horror. Medo. Tristeza. Por mais intensa que seja a palavra, dificilmente poderá conservar-se “boa” mimese do que tenho sentido durante esse período. Ah! Lembrei-me de outra bastante pertinente: indignação.
Indigno-me pelo meu país que tanto se autoclassifica poderoso e capaz de sanar os problemas do restante do mundo. Como somos petulantes! E como muitos americanos realmente acreditam nessa teoria hipócrita! Mesmo eu... Cheguei aqui crendo no bem que estávamos fazendo para essa população tão violentamente reprimida por um ditador sem escrúpulos. Ingênuo, prepotente que sou.
Indigno-me pelos meus governantes que desejam enganar ao planeta com frieza e dissimulação de dar inveja ao melhor de todos os advogados do diabo. Mentiras que dizem... mentiras que nos fazem contar...
E certamente a maior dentre as indignações é por mim mesmo. Relato todos os dias fatos que muitas vezes não vejo. Tenho que transmitir aos meus compatriotas informações destorcidas sobre os soldados americanos que aqui estão. Não! Eles não vieram para cá fazer o bem!Dezenas de pessoas inocentes são mortas. Eles torturam e agridem cidadãos que não têm como e nem para onde correr, como se fossem animais podres, fétidos, anulados de condições humanas.
È isso que vejo.
Não é isso o que falo.
O pior dos enganadores frios e dissimulados... È através de mim que o mundo sabe que os Estados Unidos são “bonzinhos” e “amigos” dos iraquianos. . Sou eu quem narra histórias comoventes de soldados que, nas horas vagas, levam criancinhas à escola; eu quem narra o triste fim de heróicos lutadores americanos em terras alheias. Parece homérico e grandioso, mas na verdade apenas reflete casos isolados e previsíveis diante da trama que eles mesmos inventaram. E certamente este não é um “gran finale” do qual a família dessas pessoas pode se honrar. Eu sentiria vergonha de um filho que tivesse ido para um país em guerra lutar por causas injustas, defender pessoas que não precisavam desse tipo de “defesa”, muito menos a mereciam.
Ontem entrei nas ruínas de um prédio com uma equipe para fazer umas fotografias. Num cantinho, bem escondido, estava um senhor com duas crianças pequenas. Ele não podia se levantar, tinha as pernas feridas. Balbuciaram alguma coisa e o pai falou alto com os filhos que começaram a nos atirar pedras e a nos xingar enquanto fotografávamos.
Foi o que aconteceu.
Não foi o que escrevi.

NEW YORK TIMES, 15 de outubro de 2006.

“Família de iraquianos é salva por repórteres americanos”

Nenhum comentário: