4 de jun. de 2007

Cafe Wepler

Por Juliana Risi

“Foi num fim de tarde de um dia chuvoso que espiei uma novata no Café Wepler. O aperitivo que ela pedira mal fora tocado. Aos homens que passavam por sua mesa, ela dava um olhar frontal e firme. Era discreta e digna, intensamente contida. Estava à espera. Eu também esperava.”
De fato sua aparência não fugia às características imaginadas. Cabelos curtos e loiros, pele clara, levemente colorida por sardas, estatura mediana, e certamente com uma postura de quem sabia as razões de estar naquela hora e local.
Fitei-a com o olhar ininterruptamente. A resposta me foi imediata e consciente. Segui em frente rompendo a entrada. De canto de olho observei seu movimento calmo e aparentemente indiferente ao repousar a nota de dinheiro sobre a mesa. Esperava por ela na primeira esquina. O guarda-chuva aberto ofuscava minha presença. Na rua deserta alguns poucos guarda-chuvas desafiavam o dia chuvoso. Tão logo fixei-me no local, pude ouvir uma voz firme e delicada:
- Cheguei a duvidar que viria.
- Sua dúvida é válida. Ela trará sua futura confiança na minha palavra.
- Pensava que devesse confiar em você como um todo. - respondeu desconcertada, fitando meus olhos como se desafiasse.
- Pois não se atreva ainda. Conhece-me há tanto, mas por tão pouco. Não teme por se flagrar num engano?
Sua resposta foi um bruto desvio de olhar. Não me demorei e segui dobrando a esquina, notando, alguns passos depois, que ela fazia o mesmo. Após algumas quadras, adentrei num prédio antigo, dirigindo-me ao último apartamento de um corredor escuro, onde morava nos últimos sete meses. Como me era freqüente, de repente submergi em lembranças.

Era menino, sentado na cama, quando, repentinamente, abre a porta aquela menininha loira falando:
- Vamos, Fred. Estão nos esperando!
Rapidamente despertei da minha lembrança. Ela entrava discretamente, e não contendo sua emoção, disse-me:
- Pensava que nunca mais fosse vê-lo. Que estivesse morto ou não soubesse de mim.

Por Felipe Han da Costa

- Apesar de tudo, minha palavra ainda vale alguma coisa, não é?
- Sim, é claro... mas você sabe, as coisas mudam.
- E você, quer agora?
Então me levanto e corro atrás dela. Como pude dormir tanto em um dia tão importante?
A grama do sítio fora cortada recentemente, a chuva da noite anterior dava um cheiro de terra molhada, que jamais esqueceria, que sempre vincularei a Júlia. Sigo nossa trilha, passo pelas palmeiras, então a vejo.
- É cedo. Me conte como vai o velho.
- Teimoso, como sempre. Está aposentado, mas esses militares são muito estranhos, sempre fugindo de alguma coisa.
- Quando voltou para o Brasil?
- Há poucos dias, minha idéia era voltar antes, mas a vida na pequena ilha estava muito boa, apesar das dificuldades.
- Por que não me procurou antes? Pensei em você todos os dias da minha vida. – apesar de estar há mais de vinte anos sem vê-la, parecia exatamente igual à figura em meus sonhos.
- É muito complicado, mamãe não queria, não deixava. Você sabia o que aconteceria. Se isso vai mudar alguma coisa, quero que saiba que lembro de tudo, cada segundo, nunca deixei de pensar nesse dia.
No alto da colina Júlia olha para o sol, que estava nascendo, e os primeiros raios de sol incidentes sobre a imensa plantação de café fazem aparecer apenas a silhueta jovem de Júlia, de braços abertos, desfrutando seus últimos momentos no sítio. Foi como se tirasse uma fotografia deste momento e guardasse para sempre. Sabia que jamais esqueceria.
- Fred, sente-se ao meu lado, feche os olhos e se esqueça de tudo.
Os breves segundos que passei lá pareciam uma eternidade, pensei que nunca acabariam e fiquei feliz por isso. Mas quando abro os olhos, Júlia não está mais lá. Corro até a casa principal e vejo Júlia sendo arrastada por mamãe para dentro do carro.
- Não leve ela embora – grito desesperadamente, em vão.
- Garoto, o governo está a procura de sua mãe, ela traiu a pátria e agora terá que sair do país e insiste em levar sua irmã.
- Fred, eu preciso ir – segura minha mão pela última vez. Desaparece.
Abro minhas mãos e vejo o que restou de Júlia: um cartão com endereço do “Café Wepler”. E desde então eu freqüento este estabelecimento todos os dias de minha vida.
- Agora é a hora ideal, Fred – corro e a abraço como nunca tive a chance de fazer. Volto a sentir o adorável cheiro de terra molhada.

Nenhum comentário: