4 de jun. de 2007

O Corte

Por Viviane Roux

Mais uma manhã cinza em Londres, carros jogando uma fumaça espessa no ar pesado da capital, crianças que mal conseguiam andar tal o peso de seus casacos felpudos. Aquelas bolinhas loiras impecavelmente arrumadas, mães de calças de ginástica e blusas quentes, bicicletas indo e vindo a todo tempo. Cidade. Grande. Metrópole.
Elias carregava um café fumegante em uma mão e pela outra puxava a preguiçosa Olívia. Homem alto, imponente, usava um de seus melhores ternos e cachecol vermelho. O rosto liso, bem barbeado e olhos sérios. Há dias que não os pregava.
Tão logo cumpriu a rotina de deixar a pequena na creche às 7 em ponto , se juntou a uma multidão de homens, mulheres e casacos que entravam no metrô. Sua cabeça fervilhava.
Depois de se apertar com dez funcionários no estreito elevador do prédio altíssimo de granito em que trabalhava, chegou à sua sala ignorando a presença de sua secretária Sylvia e seu sorriso branco. O “bom dia” da moça ficou sem resposta, enquanto o homem se afundava na cadeira alta, se escondendo atrás da mesa. Era hoje.
Há muito vinha maquinando uma certa idéia, para ser mais exato, desde o dia em que ouvira sem querer o Presidente do Escritório de Advocacia Sherman comentar que não haveria substituto melhor para o cargo de promotor chefe (ocupação de Mark Mc’Dowell, seu superior direto) do que ele.
Não era novidade que ele era mais competente que Mark, mais inteligente e graduado. Mark caíra ali por sorte e gastava o dinheiro que ganhava com trapaças e jogo sujo, em bebidas, charutos caros e prostíbulos do subúrbio da cidade. Era sozinho, costumavam brincar na repartição que nem cachorro suportava viver com o homem.
Elias sentado em sua mesa, repassou pela vigésima vez como procederia naquela noite. Deixaria a filha dormindo sozinha em casa por algumas horas (três no máximo), era o dia ideal, às quartas a esposa jantava com as amigas. Pegaria o metrô (o carro poderia chamar a atenção dos vizinhos) e certamente chegaria ao apartamento velho de Mark, antes do intervalo do jogo que Mark assistia comendo a mesma pizza de presunto e cerveja quente.


Por Flavia Risi

Tudo fervilhava ao mesmo tempo. Finalmente a arma que herdara de seu pai serviria de algo.
Eram quase cinco quando ele chegou a escola de Olívia. Estava disposto a botar em pratica toda aquela loucura.
Como planejara, aproveitou todos os minutos antes de ela adormecer.
Sem pensar, enterrou a arma na parte de trás da calça, de modo que pôde sentir gelado, o cano há muito adormecido.
Com apenas uma gota de coragem, saiu. O velho Mark o aguardava, e aquilo tinha de ser feito. Era melhor para todos que acabasse logo.
Já passava de 21h30 quando sorrindo entrou no prédio. O tom familiar fez com que não precisasse de identificações. O elevador estava no sétimo andar, o que o deixava tempo demais no hall. Logo logrou o único assunto que o livraria de todas as perguntas: E o timão, como anda?”... Tudo estava resolvido. Agora restavam apenas os vinte segundos que o conduziriam ao nono andar.
Um minuto de campainha e ninguém atendeu. Sabia que estava em casa. Havia o convidado para assistir ao jogo com ele. Por instinto, meio que imitando o cinema americano, Elias tentou a maçaneta. Como nestes filmes, a porta estava aberta. Antes de assim a ter por completo, retirou abruptamente aquele estranho que seu corpo aquecera.
Com a arma em punho, molhada com aquela mesma coragem que lhe escapava das mãos, enfrentou seu suplicio. Sem delongas, atiraria, sorriria e voltaria para casa.
Algo deu errado. O destino lhe sorrira pela primeira vez. Mark estava no chão, nu, cercado por sangue e um lençol amarrotado. Seus olhos miravam, imóveis, algum ponto no teto. Elias correu para certificar-se de que estava morto. Estes poucos segundos foram suficientes para a porta do elevador denunciar uma desagradável surpresa: agora dois policiais erguiam imediatamente a arma em sua direção. Sujo de sangue e empunhando uma arma, o destino lhe deu a ultima baforada irônica.
Olívia. Isabela. A empresa. Outro turbilhão fervilhava em sua mente. O que eles pensariam daquilo tudo... Restavam três segundo para decidir viver ou morrer.
Um estampido surdo.
Um baque no chão.
A porta do banheiro se abre.
Elias ainda pôde ver Isabela sair de roupão. Seu rosto molhado. As mãos, tremulas, deixaram a arma cair. Seu corpo desaba.
Tudo o que restou foram pequenos segundos de olhos vidrados.
Logo tudo acabou.

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