Por Viviane Roux
Mais uma manhã cinza em Londres, carros jogando uma fumaça espessa no ar pesado da capital, crianças que mal conseguiam andar tal o peso de seus casacos felpudos. Aquelas bolinhas loiras impecavelmente arrumadas, mães de calças de ginástica e blusas quentes, bicicletas indo e vindo a todo tempo. Cidade. Grande. Metrópole.Elias carregava um café fumegante em uma mão e pela outra puxava a preguiçosa Olívia. Homem alto, imponente, usava um de seus melhores ternos e cachecol vermelho. O rosto liso, bem barbeado e olhos sérios. Há dias que não os pregava.Tão logo cumpriu a rotina de deixar a pequena na creche às 7 em ponto , se juntou a uma multidão de homens, mulheres e casacos que entravam no metrô. Sua cabeça fervilhava.Depois de se apertar com dez funcionários no estreito elevador do prédio altíssimo de granito em que trabalhava, chegou à sua sala ignorando a presença de sua secretária Sylvia e seu sorriso branco. O “bom dia” da moça ficou sem resposta, enquanto o homem se afundava na cadeira alta, se escondendo atrás da mesa. Era hoje.Há muito vinha maquinando uma certa idéia, para ser mais exato, desde o dia em que ouvira sem querer o Presidente do Escritório de Advocacia Sherman comentar que não haveria substituto melhor para o cargo de promotor chefe (ocupação de Mark Mc’Dowell, seu superior direto) do que ele.Não era novidade que ele era mais competente que Mark, mais inteligente e graduado. Mark caíra ali por sorte e gastava o dinheiro que ganhava com trapaças e jogo sujo, em bebidas, charutos caros e prostíbulos do subúrbio da cidade. Era sozinho, costumavam brincar na repartição que nem cachorro suportava viver com o homem.Elias sentado em sua mesa, repassou pela vigésima vez como procederia naquela noite. Deixaria a filha dormindo sozinha em casa por algumas horas (três no máximo), era o dia ideal, às quartas a esposa jantava com as amigas. Pegaria o metrô (o carro poderia chamar a atenção dos vizinhos) e certamente chegaria ao apartamento velho de Mark, antes do intervalo do jogo que Mark assistia comendo a mesma pizza de presunto e cerveja quente.
Por Flavia Risi
Tudo fervilhava ao mesmo tempo. Finalmente a arma que herdara de seu pai serviria de algo.Eram quase cinco quando ele chegou a escola de Olívia. Estava disposto a botar em pratica toda aquela loucura.Como planejara, aproveitou todos os minutos antes de ela adormecer.Sem pensar, enterrou a arma na parte de trás da calça, de modo que pôde sentir gelado, o cano há muito adormecido.Com apenas uma gota de coragem, saiu. O velho Mark o aguardava, e aquilo tinha de ser feito. Era melhor para todos que acabasse logo.Já passava de 21h30 quando sorrindo entrou no prédio. O tom familiar fez com que não precisasse de identificações. O elevador estava no sétimo andar, o que o deixava tempo demais no hall. Logo logrou o único assunto que o livraria de todas as perguntas: E o timão, como anda?”... Tudo estava resolvido. Agora restavam apenas os vinte segundos que o conduziriam ao nono andar.Um minuto de campainha e ninguém atendeu. Sabia que estava em casa. Havia o convidado para assistir ao jogo com ele. Por instinto, meio que imitando o cinema americano, Elias tentou a maçaneta. Como nestes filmes, a porta estava aberta. Antes de assim a ter por completo, retirou abruptamente aquele estranho que seu corpo aquecera.Com a arma em punho, molhada com aquela mesma coragem que lhe escapava das mãos, enfrentou seu suplicio. Sem delongas, atiraria, sorriria e voltaria para casa.Algo deu errado. O destino lhe sorrira pela primeira vez. Mark estava no chão, nu, cercado por sangue e um lençol amarrotado. Seus olhos miravam, imóveis, algum ponto no teto. Elias correu para certificar-se de que estava morto. Estes poucos segundos foram suficientes para a porta do elevador denunciar uma desagradável surpresa: agora dois policiais erguiam imediatamente a arma em sua direção. Sujo de sangue e empunhando uma arma, o destino lhe deu a ultima baforada irônica. Olívia. Isabela. A empresa. Outro turbilhão fervilhava em sua mente. O que eles pensariam daquilo tudo... Restavam três segundo para decidir viver ou morrer.Um estampido surdo.Um baque no chão.A porta do banheiro se abre. Elias ainda pôde ver Isabela sair de roupão. Seu rosto molhado. As mãos, tremulas, deixaram a arma cair. Seu corpo desaba.Tudo o que restou foram pequenos segundos de olhos vidrados.Logo tudo acabou.
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