4 de jun. de 2007

Crepe de Avelã

Por Flavia Risi

“Ela quis parar para comer crepe de chocolate. Pedi um de avelã. Rememorei que, em maio de 1986, numa daquelas esquinas proféticas, o filósofo Jean-Paul Sartre discursara, no auge do fervor, a favor da revolução e de uma existência mais humana. Um repentino transe de emoção com a lembrança repentina de Sartre. Ela enxugou os olhos e disse que mataria a aula de tarde para me conhecer melhor”.


Eu disse que não. O que fez ela pensar aquilo? Talvez o fato de ter aceitado comer o crepe. Comecei a me arrepender disso tudo... Sem gaguejar, discursei em falso sobre um artigo, um congresso, trabalhos... Percebi sua íris desvendar minhas mentiras. Já não sabia mais do que me arrepender. A fim de não piorar as coisas, pedi a conta, agradeci-lhe o prazer da companhia e o maravilhoso crepe.
Ela não me sabia virginiano (puro sangue).
Estar fora daquilo era me sentir livre da atmosfera asfixiante. Era respirar seguro.
Certifiquei-me de tê-la perdido de vista antes de mais nada.

Paris. Duas horas após o crepe de avelã.

Respirava tranqüilamente em uma livraria, ainda que o cheiro dos livros me causasse alergia. Folheava os livros, mesmo sentido aquele nervoso nos dedos ressecados no papel áspero, de boa qualidade. E por fim, devorava-os, tentando esquecer minha recusa ao convite.
(certos virginianos acreditam totalmente em acasos)
A porta da livraria rapidamente denunciou um intruso. Reconheci aqueles grossos lábios, proporcionais àqueles olhos negros. Uma súbita falta de ar e uma longa taquicardia.

Paris. Trinta minutos depois de a porta abrir.

Ainda estávamos sentados ali. Ainda por cima, fingindo que acreditara em mim, pedia explicações para minhas desculpas.
Começamos a ouvir gotas lá fora. Era tudo que precisava. Agora não poderia fugir. Seus olhos pareciam mais sedutores e, provocadora, passava conversa molhando os lábios. Será que ela não sabe que isso acaba com virginianos?
Tentava olhar mais os livros do que ela. Começava a respirar de novo. A chuva parou.
Subitamente ela pede a conta. Desta vez foi ela.
Subitamente, sem respirar, pedi que aqueles olhos conhecessem meu quarto de hotel.
Ela disse não. Sorri achando que era brincadeira. (virginianos são orgulhosos).
Sorrindo a vi despedir-se e com o sabor de crepe ir embora.


Paris. Quatro horas depois do toco.

O bar do hotel se faz de lar. Uns drinks. Um jantar. Logo a noite terminaria!!!
“Para você ver... Me parece que nossos destinos não aceitam ”não” como resposta. Um Martini, por favor....”
Mais uma vez aturdido, mutilado, sufocado. Com meio sorriso, pedi o mesmo, com azeitona. Achei parecer mais forte que a cereja.
Pela primeira vez estávamos em silencio. Meus pulmões ainda não estavam confortáveis, por isso acendi um cigarro. O tic-tac foi quebrado quando ela me pediu um. Titubeei. Poderia me vingar da sua vingança. (realmente estava bélico!). Disse-lhe que aquele era o último e, temeroso, ofereci que dividíssemos. Era, dura, forte, deu um trago na minha vez, senti o cheiro da cereja em cima do filtro colorido pelo batom.
Agora, éramos mais íntimos. Poderia dizer que minha boca havia tocado a dela.


Paris. Uma hora depois do cigarro divido.

Estávamos no elevador. Deadline. Matar ou morrer. Normalmente, não importaria. Me conforta pensar que certos virginianos são céticos, e que desta forma, “acasos” não passam de acasos. O destino, como tudo nestas vidas, está sob total controle.
Mas não neste caso.
Normalmente eu respirava.
Agora, não me bastava respirar. Havia me acostumado com as involuntárias faltas de ar. A taquicardia me seduzira.
A viagem não durou mais que alguns velozes segundos. O andar dela chegou antes, e quase a vi sair quando, por precaução, segurei seu braço. “Posso estar sendo repetitivo, mas avista lá de cima e asfixiante”.
Ela aperta rapidamente o maravilhoso botão que faz as portas fecharem.
Falta de ar.
Medo.
Palpitações.
Estava começando a gostar de tudo aquilo.

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