4 de jun. de 2007

Uma Fotografia

Por Maria Gabriela Raposo


“Custa-me muito olhar para esta fotografia da minha filha mulher”.
Tenho álbuns e álbuns dela em bebê e menina; na adolescência passei a fotografá-la menos e, sobretudo, a esquecer-me de organizar as fotografias.
Não há mais nada escrito no verso, nenhuma indicação sobre o ano ou até mesmo do momento em que a fotografia foi produzida. Não sei com que idade ela está nessa foto. E não fui eu quem lhe comprei a roupa que veste. Não consigo precisar o momento que as roupas e até as situações eram construídas por mim especialmente para serem fotografadas. Há inclusive fotos que não lembro de ter tirado...
Observando estes muitos álbuns tão organizados, com legendas completas contendo o dia, hora e local precisos, lembro do quão insegura me sentia naquela época. Pensava que o tempo melhoraria esta insegurança. Ela não precisaria tanto de mim, se alimentaria sozinha, andaria sozinha, iria à escola sozinha, não mais ligaria para buscá-la em algum canto e em pouco tempo passaríamos semanas sem nos ver. Ligaríamos apenas para perguntar se está tudo bem, e uma breve resposta seria proferida sem emoção, pois ela está sempre lotada de afazeres e de amigos à sua volta. Sim, ela não precisa tanto de mim agora. Será que ainda precisa pelo menos um pouco? Continuo insegura pelo fato de não poder ajudá-la tanto.
Lembro-me exatamente de um dia em que eu dormia profundamente e o telefone toca, por volta das sete da manhã. Era minha filha aos prantos. Ao ouvi-la daquela forma, entrei também em desespero e quase não a deixei falar. Ela contou-me que chovia muito, seu guarda-chuva havia quebrado e acabava de pagar o ônibus com vinte reais e esquecer o troco. Dei-lhe uma bronca por assustar-me daquela forma por motivos tão tolos, gritei até. Ela apenas disse “Sei que você não poderia me ajudar, mãe. Mas achei que sua voz me acalmaria. Acho que você não consegue mais me ouvir”. E, a partir deste dia, ficamos cada vez mais distantes. Diminuíram as fotos e os telefonemas. Na verdade, esta aqui é a foto mais recente. Não há nada escrito, mas sei que se trata de uma das primeiras festas da faculdade. Época em que ligações ainda eram freqüentes. Custa-me olhar para esta foto. O seu ar de independência é quase irritante. Seu sorriso parece autêntico assim como o dos amigos. Parecem mesmo felizes. Todos da foto seguram latinhas de cerveja. Sim, ela já é uma mulher. Nem ao menos sei onde ocorreu esta festa. Já não tenho mais tantas informações assim sobre sua vida. Nem lembro se ela dormiu em casa.
Engraçado, nas fotos de sua adolescência há sempre um vulto. Seu pai estava sempre por perto. Em quase metade das fotos aparece como um figurante. Era bom quando ele estava conosco. Agora, assim como você, tem outras prioridades na vida. Penso em como será daqui a alguns anos. Os afazeres tendem a aumentar, as visitas, já tão escassas, a diminuírem ainda mais. Só sobrarão fotos. Gosto tanto delas. Remetem-me a emoções, vão se tornando angustiantes à medida que se tornam mais recentes.

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