4 de jun. de 2007

Acima de qualquer suspeita

Por Maria Gabriela Raposo

Eu estava triste. Profundamente triste. Tristeza como eu nunca havia sentido antes. Pura e simples. Parei para pensar em vários momentos de minha vida e percebi o quão única era a situação em que eu em enquadrava naquele momento. Apenas um sentimento em meu ser. Apenas um único sentimento. Tristeza. Não havia a ansiedade, parceira de todas as horas, ou dúvida, incerteza, todos velhos conhecidos meus. Apenas triste. Estou no meio do rio. Lembrei-me do estranho.
Caminhando às margens do Sena, como tantas vezes já havia feito. Um pouco, não, bastante entorpecida. Por bebidas,cigarros e todas essas coisas que nos dão certo alívio mesmo que momentâneo da realidade. Minha fuga ainda não era total pois estava consciente da minha loucura. Avisto um outro solitário. Deve ser louco. Quem mais estaria fora de casa neste gélido domingo de outono, além de mim? Quase inconsciente, caminho até ele.O louco parece pensativo. Sobre o que loucos devem pensar? Dou mais uma tragada no meu baseado quase no fim. Loucos pensam sobre coisas como cachorros, florestas, cubos de gelo e saias com bolinhas brancas em uma grande sala escura. E é impossível distinguir luminárias de cachorros, pois a sala está realmente em trevas. Talvez por ele ser louco não queira fazer tal distinção. E acho que não havia luminárias na sala. Rio de mim mesma. Dou outra tragada.
Aproximo-me ainda mais daquela figura. Ele me olha. Pergunto o que ele faz sentado ali. A resposta é “o mesmo que você”. Será que ele realmente pensava em luminárias e cães? Mais uma vez rio de mim mesma. Olho para onde o estranho olhava. Havia uma placa. Está escrito algo... não importa. O baseado acaba. “O mesmo que você”, não, ele não sabe o que fazia. Nem sei o faço aqui, como ele pode saber? É realmente um louco...
Dou meia volta e caminho em direção a algo que chame minha atenção. Sim, há uma ponte. Neste momento começo a sentir a tal tristeza de que eu falava. O que estava mesmo escrito na placa?
Lágrimas involuntárias escorrem pelo meu rosto. Triste, tristeza... olho para o curso do rio. Ele pelo menos corre ininterruptamente, sabe sua direção. Não é como eu, como o louco. A placa, havia algo escrito nela... Choro, um choro estranho, triste. Apenas triste. Lembro-me do estranho.
O choro começa a pintar traços suaves de alívio em minha tristeza antes pura. Surgem outras pinceladas, de dor, angústia. Fico alguns segundos sem pensar em absolutamente nada. Agradável sensação. Quando me recobro deste transe, vejo-me com os braços abertos. Ah, sim... agora lembro-me. A placa. “Há sempre alguma coisa ausente que me atormenta.” É o que me atormenta também.
Abaixo os meus braços antes em forma de cruz. Vou em direção ao estranho. Ao estar novamente diante dele o interpelo e digo “agora entendo”. Ele sorri. E eu continuo meu caminho em direção a lugar nenhum...

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