4 de jun. de 2007

Paixões

Por Ana Carolina Bull

Tudo começou bem simples. Um “oi” meio sem graça. “Tudo bem?” E essas coisas. A iniciativa partiu de mim, claro. Ele não era de falar muito. Mas eu sabia que ele sentia o mesmo. Dava pra ver no seu olhar.
Passavámos muito tempo juntos. Foram mais ou menos 10 anos. Eu me apaixonava e reapaixonava a cada dia. Ele era o primeiro que eu via ao acordar e o último que eu olhava ao me deitar. Na verdade, às vezes eu fingia dormir só para ele dormir. Então eu abria meus olhos e ficava observando-o enquanto dormia. Ele era mais lindo ainda dormindo.
Sinto muita falta dele, principalmente quando chego em casa. Era a melhor hora do dia para mim. Ele me esperava na porta, depois me seguia por toda casa. Quando eu sentava no sofá, ele se sentava ao meu lado e lá ficávamos, em silencio, comemorando o fato de podermos passar aquele tempo juntos, um ao lado do outro, assistindo à novela. Jantávamos e íamos para a cama. Era assim todos os dias.
Eu me lembro do dia em que ficou doente. Estávamos no parque. Corríamos. Ele à pé, eu de patins. Um lindo dia de primavera. A grama, a mais verde e viva que eu já tinha visto na vida. As flores, as árvores, o sol... tudo perfeito. Parecia um sonho. Ele corria atrás de mim, quando tropeçou e caiu. Corri até onde ele estava. Parecia que sentia muita dor. Fomos até o carro e corremos para o hospital. Os cinco minutos que passei sentada no corredor da emergência pareceram cinco horas. No final, ele voltou com um pé engessado. Mas eu sabia, sentia a dor dele.
E ele foi piorando. O pé não se curou, então voltamos ao médico. “Problemas nos ossos”, ele disse. Meu querido ficava pior a cada dia. Eu deveria saber que isto iria acontecer. Afinal, quando nos conhecemos ele já não era tão jovem quanto eu gostaria. No fim das contas, acho que isso foi que mais me atraiu nele.
Então o tempo foi passando, ele piorando. O pé nunca se curou direito, e ele tinha dificuldade em andar e ainda mais em se levantar. Passei a dedicar mais tempo a ele. Quando estava muito mal, eu o colocava na cama e ficava fazendo carinho nele. Isso não aliviava sua dor, mas o fazia feliz por alguns instantes. E ele sorria pra mim, de um jeito que me fazia esquecer o resto do mundo e querer passar o resto da minha vida naquela cama, naquela companhia. Eu desejava que aquele instante fosse eterno.
Até que ele se foi. Um outro lindo dia de primavera em que ele foi cremado e eu joguei suas cinzas no mesmo parque em que tudo começou. Eu sabia que era o lugar de que mais gostava.
Ele partiu cedo. Mas nunca irei esquecê-lo. Ele foi o primeiro que me amou intensamente sem me julgar e sem me comparar com outras. Foi amor à primeira vista. Sua presença me faz muita falta, mas o fim de seu sofrimento foi um alívio para mim. Sempre irei amá-lo, por mais que apareçam outros na minha vida. Meu lindo e velho Spyke. Meu primeiro cachorrinho.

Nenhum comentário: