Por Leonardo Bortolin Bruno
Acabei de descobrir que sou um cordeiro no meio de um rebanho bem grande.
Lá me encontro sem pensar em nada, apenas faço o que todos fazem e só fazemos porque alguém nos manda fazer. Percebi também que, sendo um cordeiro, conduzo minha vida de maneira tranqüila e decente. Ajo da melhor forma e de acordo com os costumes corriqueiros de quem é um cordeiro dentro de um rebanho.
Por que tentar sair daqui ou tentar não fazer o que me pedem? Se, no fim das contas, serei reprimido e, com certeza, voltarei ao rebanho do qual tentei sair. Até porque é assim que funciona; se não fosse assim, talvez nem estivéssemos aqui. Alguém sempre tem que mandar e outro obedecer. E sempre quem manda é o que tem mais poder. Pois é essa pessoa que faz tudo funcionar. E se não funcionar, tudo pode virar uma desordem. Apesar de que a desordem é uma coisa interessante, mas não vem ao caso nesse momento. Agora estou a falar de minha descoberta.
Bom, acordo e já vou comer, todos nós cordeiros temos uma ração pastosa e sem gosto. Sempre há um que come demais e acaba passando mal. Esse, coitado, é tachado como fora do padrão e levado para fora dali. No resto do dia ficamos no mesmo lugar, no pasto, cercado por cercas de arame e estacas de madeira. Certa hora do dia, alguém com mais poder que nós leva-nos para um passeio no campo. É nesse momento que nos sentimos melhores, pois conseguimos andar mais e com espaço para nos deliciar na grama. Mas é nessa hora também que vemos como somos cordeiros no meio de um rebanho. Bate a sensação de estarmos sendo vigiados e a sensação de ilusão daquele passeio.
Depois de vários dias, nós não conseguíamos mais pensar, era só comer e ficar ali parado. Contudo, houve um cordeiro entre nós que surtou:
- Ahhhh!!! Quem são vocês? Por que ainda estão aqui? Não quero mais ser um cordeiro dentro desse rebanho acomodado.
O silêncio se instaurou e todos olhavam fixos para esse cordeiro, que depois fora tachado de rebelde. Outro cordeiro tentou falar algo:
- Mas, mas, e… você é igual a gente, não pode…não pode mudar isso.
O cordeiro rebelde se pronunciou em tom pedagógico:
- Vocês não vêem essa situação de merda que estamos passando, todos amontoados, achando que o normal é ficar assim, sem conseguir andar e pensar. E ficamos recebendo ordens dessas pessoas que nem são melhores que a gente, a única coisa é esse conceito de poder que lhes foi atribuído. Que poder é esse? De mandar a gente fazer o que eles querem? Eu só espero que vocês não fiquem acomodados e amanhã quando formos dar nosso passeio pelo campo, fugimos correndo para qualquer direção, depois nos encontramos no lago sul para formarmos um grupo e irmos libertar outros cordeiros presos.
O silêncio foi novamente imediato e rompido pelo fervoroso ânimo de todos cordeiros. Depois, outros também vieram a falar, um atrás do outro, e todos numa energia forte e intensa.
No dia seguinte, acordamos, comemos e fizemos as mesmas coisas. Eu nem me lembrava do dia anterior e, pelo que percebi, ninguém se lembrava. Ao irmos para o pasto, começara uma música estranha e,com vozes sussurradas, dizendo “Viva a ordem”. No meio do pasto estava o cordeiro rebelde de ponta-cabeça, preso por uma corda, pingando muito sangue que saía de sua boca. Todos se assustaram e eu fiquei em choque com tanta violência. Será que aquilo ocorrera devido ao seu discurso do dia anterior? Certamente. Aquilo me arrepiou a espinha e me fez acreditar de vez que a melhor coisa na vida era continuar sendo um cordeiro no meio de um rebanho. Se tornar cético de tudo e apenas viver aqui, sem pensar nas coisas do Mundo.
Ser cordeiro não é tão ruim. Recebemos ordens, mas quem hoje não as recebe? Minha vida pode ser tranqüila aqui, e assim está sendo. Também pude perceber hoje que não só o cordeiro recebe e cumpre ordens vindas de alguém com mais poder, até o ser humano, ser mais evoluído que nós, passa por isso. Então, se é assim que funciona, por que estar aqui escrevendo, se no final sou apenas um cordeiro dentro de um grande rebanho, participando daquilo que chamarão fim do Mundo?
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