9 de jun. de 2010

Cedo ou tarde, no verão

Por Júlia Câmara


O final do verão tem muito de melancólico. Acabo de escrever um perfeito lugar comum.
Todas as tardes comprovo que a luz diminui uns minutos no dia anterior. Estou perfeitamente reconciliada com a mudança de horário que, este ano, nos deu tardes longas até o cansaço sufocado. Compreendo os argumentos na contramão, mas não são os meus.
Não posso ir contra qualquer argumentação, estou um pouco cansada delas. Assim como me cansei da minha própria imaginação que corroeu cada músculo do meu coração. Até torná-lo uma terra infértil para qualquer sentimento que queira florescer. É inevitável não me questionar porque os sentimentos mais remotos conseguem penetrar meu ser de uma forma quase indolor e depois de um certo tempo se tornarem a pior tortura que alguém poderia sofrer.
Tudo é tão contraditório que me faz acreditar que qualquer explicação jamais bastará, em alguns segundos o ar que chega aos meus pulmões não é mais suficiente para manter constante o compasso da minha respiração. Então sou capaz de ver com nitidez que em alguns instantes tudo parece desmoronar, como os castelos de areia, que o mar levou rapidamente, sem o menor lamento. Castelos estes, que contemplei algumas vezes na praia, durante as tardes que me esforcei para aguentar, sozinha e esquecida.
Esse tempo que envolve o verão deveria ser um ciclo infinito. Ainda mais nessa cidade que não se cansa de modelar e esculpir quaisquer acontecimentos da minha vida. É um cenário minuciosamente desenhado. As cores, sintonias e luzes se cruzam tão perfeitamente como se me guiassem para sensações desconhecidas. Cada imagem que vejo se esboça diante de minhas pupilas de uma forma inigualavelmente extasiante.
As ruas dessa cidade têm o poder de me manter viva, ainda que todas as luzes se apaguem com a intenção de me fazer dormir. Elas se atravessam e percorrem meu corpo, suplicando para fazer parte de mim. Assim como todos os vasos sanguíneos que carregam sangue ao meu coração. Ainda posso senti-lo palpitar, um pouco mais lento e cansado. mas sei que ele segue ali, se esforçando por mim.
O que escrevo ultimamente não faz sentido algum. Ainda mais hoje, neste momento, diante dessa tela, que enxergo um pouco distorcida devido aos meus olhos mareados de lágrimas. Relembrar momentos às vezes pode machucar um pouco mais fundo do que o normal. Relevar certas coisas é tão fácil, mas esperar que o tempo feche as feridas custa um pouco mais. Até hoje, depois de passados alguns meses, isso ainda me toma certos momentos de paz interior.
Definitivamente acho que o verão que passou ainda tem o poder de me deixar completamente desnorteada. Perco minhas forças quando a nostalgia me domina. Me sinto refém de algo que nem ao menos posso caracterizar. Lembranças insanas de tempos que jamais poderei reviver de novo. Tempos que hoje tenho como um dos bens mais preciosos da minha vida
Tardes quentes em que decidi abandonar grande parte dos meus desejos temendo não ser capaz de seguir em frente. Dias um pouco mais longos em que os céus de diferentes colorações clamavam pela necessidade de um sorriso que não se formava em meu rosto. Noites quentes nas quais meu coração congelava devido à falta de reciprocidade de um amor. Momentos angustiantes que se desenrolaram de uma forma não muito convencional, e que transformaram-me em tudo o que sou hoje.
Me esforço constantemente na tentativa de não pensar mais, porque ainda que o tempo tenha amenizado os acontecimentos, todos os meus caminhos me fazem retornar aqueles dias, com a esperança de reviver algo parecido. Não posso negar que os acontecimentos do meu presente são coerentemente consequências diretas daquele passado que ainda me assombra.
Não vou negar que ainda há em mim vontade de reviver e de mudar coisas que aconteceram. Porém jamais com a intenção de mudar o que eu sou hoje. Certa angústia mesclada com inquietação ainda me mantém enjaulada, sozinha e presa dentro de minhas próprias loucuras. Sou refém de mim. Sempre fui, só não percebia, pois as diretrizes pareciam ser outras. Travo uma batalha árda dentro de mim todos os dias ao passo que tenho certeza que é um alívio aprender a esquecer aquelas sensações vivas e recorrentes.
O sol daqueles dias ainda permanece intacto e brilhante. Se esforçando e lutando para reacender a chama que iluminará para sempre meus dias. Me sinto um pássaro recém- nascido, que caiu distante do ninho e que precisa se salvar dos perigos, ao passo que espera crescer para viver sem medo. Sempre com a intenção de poder voar e enxergar tudo de outro plano.
É um pouco árduo o trabalho de buscar palavras para tentar construir frases sensatas sobre aqueles tempos. Tempos que se mesclam com quaisquer uma das minhas atitudes do presente, ou melhor, que se mesclam com o meu presente, literalmente. Reitero que nada faz sentido, assim como eu, assim como meus pensamentos sem lucidez e minhas atitudes irracionais. Estou soando tão complexa que ninguém ousará, ou fará alguma questão de tentar entender.
A brecha na cortina me permite contemplar a lua cheia. É exatamente a mesma lua que iluminou aquela noite quando tudo começou. A noite que foi a razão principal de grande parte dos acontecimentos do verão. A noite em que o casulo se desfez, consentindo assim em me deixar voar. A noite que me permitiu viver novos momentos e conhecer novas sensações. Depois dali me tornei possível conhecer meu verdadeiro eu interior, que existia, estagnado e escondido.
Nada nunca poderá se comparar a todos os momentos daquele tempo. Lá descobri que tudo pode ter começo, meio e simplesmente nunca ter fim. Apenas escrevo hoje com o intuito inconformado de saber que me deixaram ir sem nenhuma explicação. Me abandonaram mesmo sabendo que eu era incomparavelmente única. Abro meus olhos e enxergo o mundo sabendo que os desacertos jamais, em tempo algum, foram cometidos por mim.
Desilusões são coisas tão banais. Apenas não sabemos disso. Finalmente hoje tenho a plena certeza que todas as coisas sucedem por um motivo certo. Por mais que sejam dolorosos e nos deixem inconformados. A vida é inevitavelmente coerente e se as coisas ainda não modificaram, há que se esperar, tudo o que não vem a nosso favor pode nos fortalecer. E ainda acordo todos os dias, mais forte do que era, com uma única certeza. Jamais deixarei de acreditar que existe alguém, em alguma parte do mundo, esperando por mim. Cedo ou tarde, acontecerá.
Enquanto isso sigo aqui, me apaixonando, todos os dias. As paisagens conseguem ser belas em qualquer estação. Essa cidade alcança o feito de ser indubitavelmente única e me arrancar suspiros quase impossíveis. Por isso seguirei sempre buscando esconder minhas mágoas e desejos súbitos embaixo das pedras e do sol poente do Arpoador.

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