13 de jun. de 2010

Onde estavam minhas estrelas?

Por Amanda Cinelli e Lana Mayer

Já faz treze dias que estou em Istambul. Era noite quando me trouxeram do aeroporto, sem dizer para onde estávamos indo. O bilhete que tinha em mãos possuía algumas frases para serem ditas em caso de emergência. Estava tudo em turco, certamente, mas de nada adiantava, pois eu não sabia como pronunciar tais fonemas. Talvez fosse por isso que o silêncio imperasse naquele carro velho e frio no qual estava sendo transportado. Um senhor de meia idade parecido com algum taxista muçulmano nova-iorquino dirigia, olhar para ele era como sentir-se em casa; a mudança não estava clara até então.
Me fixei num ponto: o encosto de cabeça do motorista. O estofado de cor escura era mais confortável que o branco reluzente da neve que imaginava estar do lado de fora. Não tentei. Não demorou muito para que chegássemos ao destino que em breve iria conhecer. O carro parou, o motorista se esticou na cadeira, balbuciou algumas palavras e, num ato estranho esticou o braço para trás e puxou o pino da minha porta. O estalo da tranca se abrindo foi tão assustador como assistir ao velho cachorro da família ser atropelado quando tinha oito anos e perceber que nunca mais abraçaria Charlie ao chegar da escola. Meus sentimentos borbulhavam no estômago e o cérebro transbordava em conexões. - Quantos segundos se passaram? - pensei. – Acho que foram horas.
Abruptamente a porta se abriu. O motorista não tinha o mesmo olhar familiar e automaticamente percebo que seu jeito brusco de falar constrói verdadeiras palavras turcas, não somente um inglês enrolado no sotaque fechado do qual estava acostumado. A língua não era a mesma, a neve não era a mesma, o ar não era o mesmo. Olhei para o céu: onde estavam minhas estrelas?
Não estava preparado para o reconhecimento do território. Peguei as malas, que já estavam no chão, e corri em direção ao longo corredor do meu suposto novo prédio. Escadas e mais escadas , o elevador estava quebrado. Por um momento pensei não haver um apartamento para mim. Até que o motorista gritou, era lá. Entrei, ele jogou as chaves na minha direção e antes que eu pudesse pegá-las bateu a porta e nunca mais o vi.
“Sozinho em Istambul pela minha própria contra-vontade”, taí um bom título de filme que representasse meu dilema de então. Infelizmente não era filme, era minha vida e os dias não passariam em takes de um segundo como normalmente. Tentava me acostumar com a idéia de viver quinze vezes vinte e quatro horas. Eram trezentas e sessenta horas para tentar respirar do mesmo jeito que respirava antes, e então começar uma vida que não me pertencia.
Eu estava contando os segundos para sair da Turquia, não era este o meu objetivo a visitar a Europa. Definitivamente não simpatizava com a cultura muçulmana e nada me atraía naquele lugar. Nunca tive espírito de viajante e curiosidade por culturas exóticas. Todo o dinheiro que juntei em alguns anos de trabalho se destinava a bancar minhas aventuras na Inglaterra no festival de Wegs, o maior festival de rock do inverno europeu, onde eu assistiria aos shows de minhas bandas preferidas, Les Ecleticques e Down With the Fall.
“O Inverno mais rigoroso do século!” Assim reportavam as manchetes dos jornais. Uma densa nevasca encobriu a Grã-Bretanha, dificultando aterrissagens por duas semanas. “Acidentes climáticos ameaçam acabar com a humanidade neste século XXI!” Meu vôo para Londres foi desviado e vim parar em Istambul, sem chances de chegar tão logo à Inglaterra.
As previsões climáticas desta vez parecem funcionar e é provável que daqui a dois dias eu deixe esta cidade rumo à capital britânica. O festival foi cancelado e minha viagem tomou uma direção completamente inesperada.
Ao contrário do que imaginei, os dias realmente passaram em takes de um segundo e minha estadia em Istambul foi extremamente prazerosa. Já ao chegar ao hotel, bancado pela British Airways, entrei em contato com um mundo novo. Hoje, a dois dias da partida, penso que até das escadas e mais escadas eu vou me lembrar com nostalgia. O elevador foi consertado, mas tive medo de usá-lo e permaneci subindo para meu quarto todos os dias exaurido, mas contemplando os belíssimos mosaicos da decoração dos pisos.
Vivi experiências únicas nos passeios pela cidade e em lugares magníficos, como o estreito de Bósforo, que jamais imaginei conhecer e não conheceria não fosse por este enorme acaso que me colocou no meio de um grande acontecimento climático deste século.

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