22 de jun. de 2010

Falo de um lugar que não cabe aqui

Por Letícia Rossignoli

O final do verão tem muito de melancólico. Acabo de escrever um perfeito lugar comum. Porque todas as pessoas, com as suas máximas diferenças, sempre em algum momento sentem “algo” que as fazem transcender no tempo e no espaço. Seria, como eu acabo de escrever, somente um lugar comum que está encharcado de emoção, transbordando sensações das quais eu não requeri que as sentissem, simplesmente vem.
Eu podia ter começado o texto num tom sociológico: “No mundo pós-moderno, onde as tecnologias atravessam nosso modo de sentir o tempo e o espaço, o indivíduo está se tornando frígido quanto às emoções que nos são intrínsecas... blá blá blá” Quero dizer algo que não se racionaliza. Sabe aquele final de tarde em que você olha o céu num degradê de cores e um sentimento te envolve? E toda vez que você se vê com esse quadro à sua frente, novamente a sensação é sentida. O camarada da roça, o executivo instalado no seu arranha-céu, a dona de casa em meios às tarefas do lar, o velhinho sentado na praça vendo o dia passar, todos eles... sentem! Cada um tem o seu lugar comum, que no seu íntimo é o lugar do efeito.
Será que estranhamos quando nos percebemos como um corpo que sofre efeitos, e não mais um corpo em ação? Sim, somos sujeitos! Acreditamos no relampejar e não no relâmpago. Ora, ora e quanto ao lugar e o tempo que entrelaçados se alojam em nossas almas e não discrimina cor, sexo, religião? É só ser humano.
Mas recusamos, às avessas, o convite da transcendência. O sentimento que nos toca não tem origem no deleite, mas não convêm dizer que é amargo. Por que não deixamos que esse momento se estenda? Comungar com algo que não requer de nós nenhuma linguagem oral ou corporal, é gratuito. Será que um monge tibetano entenderia melhor o que questiono?
Falo de um lugar que não cabe esse texto. Não me ensinaram na escola nada a respeito, foge à norma. O foco se encontrava em saber a estrutura do hidroxicarbono-propil. Ficamos frígidos. Se por acaso eu me virar e perguntar para a pessoa que está ao meu lado sobre essas tais sensações que nos penetram, eu seria considerado louco. Ou, por misericórdia, a outra pessoa destilaria um “sei lá” reprovatório, como se falasse: “isso é pergunta que se faça!” Mas como um argumento de convencimento, poderiam me dizer: “mas também, perguntar isso a um estranho, o mínimo é chamá-lo de esquisito.” Se para conversar sobre isso é pré-requisito a intimidade, o que podem me dizer sobre relacionamentos entretecidos no ventre ou construídos ao longo da vida em que em nenhum momento tal conversa foi estabelecida, nenhuma sílaba proferida?
Como eu queria conversar com um monge tibetano! Seria como um navio S.O.S. que viria me resgatar da “ilha-mundo” da tagarelice. Meu Deus, um mundo tão vasto e nós tão pobres para experimentá-lo. Só sentimos aquilo que permitimos que seja vivido.
Os finais de tarde com o seu céu num degradê de cores irão continuar a me penetrar, o efeito é de um cálice transbordante. E hora sim, hora não, irei continuar insistindo em saber o por quê de tal experiência. Esta mal educada que me invade sem pedir licença. O importante é não viver de cálice vazio.

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