22 de jun. de 2010

Cabelos vermelhos

Por Letícia Rossignoli e Natalia Dias

Foi na tarde de um dia chuvoso que a vi pela primeira vez. Ela tomava um aperitivo sozinha. Aos homens que passavam por sua mesa, dirigia um olhar frontal e firme. Estava à espera.
Como garçom, eu gosto de analisar os clientes, cada gesto, jeito de sentar, o lugar que escolhem e o que pedem me dão pistas de como a pessoa é. E ela me impressionou. Aqueles cabelos vermelhos, a boca bem desenhada e o modo que a mesma recebia o copo, deixando líquido, língua e saliva comungarem. Era realmente, atraente.
Todos os serviços que me eram requisitados eu os fazia de olhos fixos nela, desde o lavar dos copos ao preparo de um drink. Perder segundos de contemplação me era caro. Eu, infelizmente, lhe era invisível, mas aos outros homens erguia a face, de forma altiva, e penetrava o olhar, como de caçador à caça. A maioria dos homens recusava o papel de presa e a ignorava. Alguns se sentiam tão penetrados que se retiravam ao banheiro à procura, no espelho, do “algo” que tinha despertado um olhar daquele.
Mas havia aqueles que aceitavam o convite que aquele olhar profundo ofertava, sentavam à mesa e passavam alguns minutos conversando. Era como se estivessem trocando segredos, através de códigos em que palavras querem dizer pensamentos inteiros. Porém, sempre saíam da mesa e iam embora.
Na primeira vez que eu vi toda essa movimentação de olhares, bocas, sussurros e saídas, fiquei atônito. Como podem sair desacompanhados? Porque não a levam? Que conversa travavam? Primeiro pensei que aquele encontro no bar, resposta do provocativo olhar, era uma forma de combinar e terminar o que começaram em outro lugar. Por isso, eu a segui. Queria saber se ela era uma mulher que terminava o que começava ou, simplesmente, vinha ao bar fazer troça com os homens que caiam em suas teias.
Ela saía do bar, andava até o ponto de táxi, entrava dentro de um carro e ia até outro bar, em outro bairro da cidade. Se sentava, pedia um drink e o jogo recomeçava. Os cabelos ruivos até os ombros, a coluna ereta não deixando-se reencostar, a cabeça em riste e o olhar firme, forte, convidativo, eram os mesmos. Os homens sentam, conversam e logo vão embora.
Aquilo me pertubava, já tinha montado várias alternativas para que o quebra-cabeça fosse solucionado. Será que ela propunha sexo não-seguro? Não podia ser, duvido que haveria tantos homens, nesta ocasião, pensando com a cabeça de cima. Podia ser, simplesmente, uma conversa em que nada era proposto e, por isso, não carecia de uma continuação. Ah! Mas como eu queria saber das suas conversas! E um estalo me veio: eu posso ser um de seus homens.
Planejei folgar justo na quinta, dia em que era certeza de que ela viria ao bar. Era domingo e minha ansiedade já estava incontrolável. Parecia que a hora não passava. Para tentar me acalmar, corria, corri tanto durante essa semana que emagreci dois quilos.
Na quinta, logo cedo, peguei meu traje mais elegante e fui ao seu encontro. Cheguei mais cedo e sentei em uma mesa à frente da que ela costuma sentar. Pedi um café e o jornal do dia. Fiz uma pose de freqüentador assíduo e a esperei.
O dia brilhoso, com um sol forte e pouco vento. As ruas, quase sempre molhadas, estavam secas e cheias de folhas. Ela se decidia pelo tempo e pelo seu sonho do dia, mas hoje, pela primeira vez, não conseguia entender o significado de seus “oráculos”. Resolveu esperar e, por sorte, dentro de duas horas o tempo fechou, fazendo-a ir para o tradicional.
Chegou com toda pampa que fazia merecer, sentou em seu canto predileto e pediu um drink. Os cabelos ruivos até os ombros; a coluna ereta não deixando-se reencostar; a cabeça em riste e o olhar firme, forte, convidativo eram sempre os mesmos. Não podia baixar a guarda. Sabia que sua beleza era chamativa, e precisava que fosse mesmo.
Ele já não agüentava de espera, ficou inseguro e pediu um drink. Foi ao banheiro, molhou o rosto, olhou no espelho e falou: ‘Você consegue!” A timidez à frente dela era atropelada pelo seu encanto.
Voltou à mesa com um ar mais brando e tentou se acalmar. Virou para acender um cigarro e eis que, de repente, ela chega. O cabelo ruivo e esvoaçante, seus lábios, completamente delineados, estavam molhados como se estivessem acabado de beber água.
Enquanto aguardava o drink, um rapaz, um pouco desajeitado e tentando ser elegante a cumprimentou, perguntou se podia fazer companhia. Ela sorriu em um tom meigo e consentiu.
Eles se entreolhavam, porém os olhos se cruzavam desviavam rapidamente. Ele tentou puxar algum assunto:
- O que você faz da vida?
Ela sorriu e apenas disse:
- Me diga você o que quer que eu faça da vida.

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