12 de jun. de 2010

Hadija, em Istambul

Por Viviane Roux e Leonardo Bortolin Bruno

Já faz treze dias que estou em Istambul. Era noite quando me trouxeram do aeroporto, sem dizer para onde estávamos indo. A partir do momento em que saí do aeroporto, percebi que estava onde queria. As luzes, as ruas, as pessoas, tudo me veio à cabeça como aquele ano. Mas desta vez eu sabia que seria diferente, por mais que não soubesse onde estávamos indo, sabia que estava onde queria.

Esses dias que se passaram foram um tanto doloridos. A busca não tinha resultado em nada e o máximo que consegui foi ir até o bar de Islail, para lá tomar carbel e deitar-me olhando para o céu.

Hadija me deixara inquieto desde aquele ano; sua cítara estava dentro de mim e sua sonoridade era minha música desde então. Pedia aos taxistas para me levar a qualquer lugar. Pelo caminho, olhava atentamente cada ponto dessa cidade anormal em busca do prazer que tinha tomado minha consciência.

Era noite quando decidi sair a pé pelas vielas do chamado centro comercial. Já não agüentava mais cheirar ácido da minha roupa que não trocava há dias. Sentia que aquele lugar me levaria a Hadija e sua cítara. Entrei em um bar que era como um cabaré de lindas mulheres turcas e ali sentei para beber novamente carbel. Ao meu lado, um marroquino me ofereceu haxixe em troca de pouco dinheiro. Animei-me com a idéia e fomos para fora do bar pegar a mercadoria. Entramos no seu carro e rodamos quase toda a cidade para pegar este verme que me levaria até o céu. Por ironia do destino, fumamos dentro do carro e o que aconteceu foi um total abandono daquele homem, me deixando num canto da cidade desconhecido por mim. Agora era eu e minha cabeça. Que mal conseguia organizar as idéias, porém o corpo ainda clamava por mais. Era esse mais apertado na garganta de qualquer um que estava ali numa praça. Lembrei-me da noite de 2007, quando conheci aquela mulher e sua sonoridade. A mesma desordem mental me ocorria, misturada com o desejo de ir adiante, buscar minha cólera por tê-la deixado. Agora exatamente, sei o que falar sobre meu ser. Impaciente, possuído, apenas habilitado a pensar. O que soa estranho é esse eu que fala, mas o eu que escreve, ou melhor, o eu da noite. O momento. Ali fiquei por horas.

Quando amanheceu, percebi que estava sem dinheiro algum, contudo me encontrava em um lindo vale montanhoso, na beira de um riacho. O lugar me trouxe uma sensação incrível, era como se a melodia da cítara estivesse a poucos metros.

As cores daquele lugar eram incríveis. Se Monet o tivesse visto, teria deixado a França. Fui até o riacho e com a mão em concha busquei um pouco de água. O líquido gelado chegou ao meu estômago e vomitei. Uma gosma clara com cheiro de carbel. Fui tomado por uma sensação incrível, convencido de que eu só poderia estar aqui, mesmo sozinho, mesmo sem dinheiro.

Num impulso, me joguei no riacho e, depois do choque do meu corpo quente com a água fria, vomitei de novo. Vomitei o haxixe, o avião, o taxista, Hadija e sua cítara, meus enganos, as mentiras e toda aquela saudade. Sentei tremendo de frio até o vento me secar.
Que direção tomar quando não se tem direção? Direita ou esquerda não importa, ninguém me espera, ninguém sabe. Somos eu e minha procura.

Segui o curso daquelas águas transformadoras e me deparei com um velho sentado. Maltrapilho e de barba cinza, parecia que estava ali há anos. Perguntou-me com sua voz fraca:

- Aonde vai, forasteiro?

- Não sei, embora sinta que falta pouco para chegar.

Quando estava me virando, o velho atirou umas folhas que estavam em suas mãos na água e disse:

- Como você, as folhas não sabem para onde vão, mas continuam a seguir seus destinos e eu lhe mostro onde é – apontou para o horizonte.

Intuí que ali o riacho devera desembocar em um grande lago ou talvez no mar – embora o riacho faça curvas, caia em cachoeira ou se abra em afluentes. No final de tudo, é para lá que elas devem ir.

Permaneci um tempo pensando no que o velho dissera enquanto tomava uma difícil decisão: ou continuava ali, afastado da cidade, mas perto da paz espiritual que o ambiente proporcionava, ou voltava para a cidade aonde a possibilidade de encontrar Hadija era maior.

Um pássaro amarelo-claro e seu canto me lembravam a cítara. Segui com os olhos e fui andando atrás dele. Às vezes o perdia de vista. Aos poucos, umas casas iam surgindo. Voltei para o calor de Istambul. O canto do pássaro foi se tornando imperceptível, misturado aos sons da cidade. De repente, o perco de vista. Olho para todos os lados até que ouço um som familiar. Corro, corro demais, corro. Primeiro, vi as mãos, acariciando as cordas. Depois, o cabelo escuro e, por último, os olhos marejados. Um sorriso de saudade, mas ficamos onde estávamos, precisaríamos esperar um pouco mais. Hadija precisava acabar uma música.

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