11 de jun. de 2010

Encontro marcado

Por Isis Mesquita

Já era tarde e eu precisava dormir, já seriam duas noites em claro. Eu estava morta. Preparei meus lençóis e me deitei, não demorou que eu perdesse a consciência. De início negro normal, mas após um tempo que não consigo determinar, podem ter sido horas ou apenas minutos, me vi em um local como um túnel revestido por todas as cores, conhecidas ou não. Tive certeza que havia descoberto o que seria a cor-de-burro-quando-foge em alguma dessas paredes.

A princípio estava caminhando, até que cheguei ao que parecia um buraco, precipício, quando pisei na borda um pedaço considerável de pedra tombou, esperei pra saber mais ou menos a profundidade daquele poço, nunca cheguei a ouvir a pedra cair. Algo me empurrou antes, caí, achei que ia morrer, mas as paredes que de cima pareciam negras afunilavam e exibiam padrões de loucas estampas em toda sua extensão. Isso não poderia estar acontecendo de verdade, não é? Eu fui dormir, tenho certeza, e como posso estar tão lúcida? Tudo parece tão real.

Antes que pudesse continuar meu raciocínio, algo me chamou a atenção, não estava mais caindo e não havia morrido, ainda, agora escorregava num túnel que eu acharia humano nenhum poderia caber, mas aqui estou né. Fechei os olhos e me permiti gritar, gritei mais alto que podia, nem sei se depois disso poderia falar tão cedo. Quando olhei para baixo, para me desesperar, pensar que ia morrer de vez, auto-tortura é comigo mesmo. Parecia que estava chegando ao final, seria a famosa luz no fim do túnel? Tampei meus olhos com a minha mão, e gritei, era agora, queria poder dizer aos meus amigos e família que foi ótimo ter conhecido e convivido com eles.

Mas quando me dei conta parecia que eu estava flutuando, ou caindo tão lenta e delicadamente como uma pluma. Abri espaço por entre os dedos para checar o que acontecia, quem sabe já não morri, né? Mas estava a dois dedos do chão, caí sentada numa grama bem verde, ao lado de uma árvore frondosa, graças a deus não-frutífera, seria um pesadelo se fosse. Quando atingi o chão, recostei a cabeça na grama e ri, na verdade, gargalhei, isso sempre acontece quando fico tensa. Mas lembrei do geral da situação em que me encontrava e levantei subitamente, olhei para mim e ainda vestia meus pijamas.

Olhei em volta, havia a grama, a árvore e um campo aberto, mas estranhamente o céu estava branco, sem cor alguma e não havia sol ou nuvens. Era simplesmente branco, como se houvessem simplesmente esquecido de pinta-lo. Onde eu estou? Eu me perguntei, pensei e ficar ali esperando alguma coisa, não sei o que, nem pense em me perguntar, ia esperar que alguma resposta. Mas achei melhor me levantar e investigar. Andei pelo que pareceram horas, o cenário era o mesmo, um campo aberto de grama e flores, até que ao fundo surgiu o que identifiquei como uma floresta de eucaliptos, não enxergava tão bem sem os meus óculos. Corri pra chegar logo, o que agora me parece estupidez, qual seria a diferença entre andar e correr? Nenhuma, mas eu quis correr. Atravessei rapidamente, não deram nem cinco minutos, pelo menos era o que eu achava, pois quando reparei haviam relógios pendurados nas árvores, e os segundos contavam horas, me assustei com a contagem do tempo e parei, fiquei estática olhando as horas passarem tão rápido, literalmente. Perguntei-me em voz alta: “Então as horas passam como anos?”, e uma voz masculina me respondeu que sim. Virei assustada, não havia ninguém comigo até aquele instante. Era um rapaz, não me parecia muito mais velho do que eu, devia ter seus vinte e um, numa situação que a primeira vista parecia a mesma que a minha, ele também vestia pijamas, talvez um pouco mais surrados que os meus, e pelo conhecimento que ele já possuía, imaginei que estava aqui por um tempo, o que foi uma má noticia, conclui que poderia estar presa aqui, neste mundo desconhecido, fiquei tensa de novo, desesperada era a melhor palavra. Dei um sorriso involuntário de tensão, no qual só a sua boca sorri, um daqueles bem amarelados, enquanto o seu olhar fica perdido e louco, assim como imagino que eu estava. Minha cabeça ficou como um quebra-cabeças e eu não conseguia juntar as peças, só consegui dizer: “Então se eu ficar cinco horas aqui vou envelhecer cinco anos? Não posso completar dez!”. Ele riu, eu também riria, segurou os meus braços e me pediu calma, me disse que encontraríamos a saída. Ele conseguiu me confortar, ate parecia que a gnt se conhecia fazia um tempo, e lembrei que na verdade faziam cinco horas que eu o conhecia né, não sei como ainda tinha tempo para fazer piadas.

Perguntei o seu nome, era João, ele tinha bigodes cheios de uma cor próxima do negro, os olhos castanhos, quase da mesma cor, possuía a pele branca que no frio que estávamos passando ficava rosada, queimada, fiquei encantada, ele era lindo. Ficamos andando, conversando, e eu poderia jurar que estava apaixonada, eu sou bem ridícula. Ele possuía um trejeito engraçado de ficar acariciando sua barbicha, eu ri sozinha. Mas me concentrei, sacudi a cabeça, isso não é hora pra ficar babando o menino, coitado, vai achar que eu sou louca, olha a situação que a gente se encontra e eu apaixonada já, fiquei confusa, pois na contagem tradicional de tempo, não nos conhecíamos por mais de meia hora, mas aqui já faziam dias, então me senti apoiada por esse passar de tempo louco para me permitir sentir qualquer loucura que fosse. Passei um tempo desse jeito, pensando, quando eu olhei para ele, ele me olhava interessado, estava rindo, eu devia estar fazendo caretas. Acho que ele pensou em me perguntar o que era, mas antes que o fizesse, vi uma casa, ela era gigante! As janelas eram enormes de estilo clássico azuis e possuíam grandes cortinas bordô. Os portões da frente estavam semi abertos. O interrompi antes que falasse, já sorrindo, segurei a sua mão e o puxei para corrida, eu estava bem animadinha para corridas, era a segunda vez que o fazia já.

Corremos até a entrada, eu estava sorrindo, ele, apreensivo. Ele soltou a minha mão e parou antes que chegássemos na varanda, eu já estava parada nas escadas. Olhei para ele, ele me olhava fixamente e eu segurei o olhar. Nos olhamos por algum tempo, eu virei a cabeça para olhar a porta e olhei de novo em seus olhos. Decidi que devia ver o que tinha lá dentro, eu estiquei a mão para que ele viesse comigo, por um instante achei que ele ia deixar que eu fosse sozinha, mas ele segurou a minha mão e entramos juntos. Era tudo preto lá dentro, ao contrario do que era do lado de fora, tão branco, aqui dentro era tudo intimidantemente negro, fiquei com medo, odeio o escuro, vejo formas onde não existem, ainda bem que ele ainda estava segurando a minha mão, era mais fácil de alcança-lo. O abracei forte, ele me acariciou para me acalmar, e disse algumas palavras também com o mesmo intuito. Segurou o meu rosto, eu só conseguia ver o brilho dos olhos dele, me deu um beijo no rosto e disse que deveríamos continuar andando. Eu concordei. Segurou a minha mão e desta vez me guiou pelo cômodo escuro.

Chegamos ao que parecia ser uma parede, olhamos a procura de uma porta, mas encontramos apenas uma maçaneta. O que servia perfeitamente pra abrir algo. No outro cômodo havia apenas um baú iluminado no centro. Fiquei com mais medo, tinha medo de ficar e de voltar, pois se voltasse quem me garante que o veria de novo, eu não falei nada, mas o que me pareceu é que não era necessário. Os olhos dele diziam a mesma coisa, Nos abraçamos novamente, mas dessa vez não foi um beijo no rosto. Nos beijamos por muito tempo, parecia mesmo que nós nos conhecíamos há muito tempo! Quando paramos voltamos a nos abraçar, estava parecendo tanto uma despedida, eu não gostei da sensação. Antes de abrir ele me disse algo sobre a esquina uma esquina, a esquina da Mariz e Barros, não identifiquei o nome da outra rua. Droga! Tem tantas Mariz e Barros pelo Brasil! Tem uma do lado da rua onde moro, mas seria muita coincidência ele morar tão perto de mim, e como ele saberia? Mas tínhamos que abrir aquele baú, e foi como eu temia, voltei para o túnel do inicio, mas só que já estava caindo, o que parecia ser o caminho inverso, eu estava vendo tudo muito claro, parecia que estava perdendo a consciência, e estava mesmo.

Quando voltei a mim já estava sentada a minha cama, assustada, olhei em volta a procura de algum rastro que me indicasse aonde eu estive, olhei no espelho a procura de algum sinal dos “anos que passei fora”, nada, e por ultimo procurei por algum rastro daquele que me acompanhou por esta aventura, como imaginei, não havia nada. Estava com muita fome, então comi algo, estava arrasada. Ainda era bem cedo, o dia estava nascendo ainda, foi então que durante um gole no meu Nescau me lembrei do que ele disse da esquina. Não quis saber, peguei o primeiro casaco e lá fui eu, procurar por tantas esquinas daquela rua, sem nem saber se era aquela a Mariz e Barros certa, andei por muitos e muitos blocos, já estava desistindo, abaixei a cabeça e estava me preparando para me virar e ir embora, estava começando a chover. Mas uma figura me chamou a atenção, tinha uma semelhança enorme com o João. Bem, eu acho que era mesmo ele, pois sorrimos um para o outro e corremos para o nosso encontro, que desta vez, foi marcado, mesmo que de forma tão engraçada.

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